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4.2.05

vidas emprestadas 

PERTO DEMAIS (CLOSER) de Mike Nichols - 19/01/05
É um tapa na cara de quem usa o cinema como combustível para fantasias escapistas de romances maravilhosos. Não é que o amor não exista, mas é inegável que "Closer" advoga muito bem a afirmação contrária.
Bernardo Krivochein (Rio)

Cuidado em quem você pisa.

Depois de um ano em que grande parte dos melhores filmes foram de animação, é refrescante assistir finalmente um filme de gente grande. "Closer - Perto Demais" é sexy e sofisticado, mas esses adjetivos são utilizados da maneira mais perigosa possível. Eu já posso ver a horda enfurecida com o novo filme de Mike Nichols, especialmente as adolescentes que acreditam naquele grande amor ainda por vir. Mas "Closer" é a mais pura verdade, sem floreios nem firulas e na sua pior faceta.

Adaptado da polêmica e premiada peça homônima de Patrick Marber (cuja encenação no Brasil trazia o título traduzido corretamente, "Mais Perto", e era produzida pela Nazaré), que também assina o roteiro, "Closer" sobressai-se do fenômeno teatral dos anos 90, cuja exploração sem barreiras das relações baseadas principalmente na sexualidade era a temática en vogue, tanto pelo pioneirismo quanto pela crueza de sua história e diálogos. Não pense que o filme não passa de duas horas de um artigo da Nova ou da Desfile. Se todo filme que se preze defende uma tese, "Closer" atesta o papel cada vez menor do afeto nas relações "amorosas" contemporâneas. E o faz com tamanha perspicácia. Em "Closer" as palavras são como tratores e as pessoas as usam para atropelar umas as outras. Não há sabão nessa estratosfera que limpe a boca suja de "Closer".

Passado em Londres, "Closer" cobre quatro anos na vida de quatro personagens: Dan (Jude Law), um escritor frustrado que escreve obituários de jornal para sobreviver, envolve-se com Alice (Natalie Portman), uma stripper americana, após um acidente. Eles se apaixonam - ou assim acreditam - e Dan escreve um romance inspirado pela moçoila. No entanto, Dan acaba atraído pela fotógrafa Anna (Julia Roberts), que a princípio o rejeita. Essa rejeição enfurece Dan que, numa armação, acaba jogando-a acidentalmente para o dermatologista sexualmente obcecado Larry (Clive Owen). Os relacionamentos farão uma ciranda-cirandinha onde o motor é a atração sexual mal-direcionada.

A exploração das inter-relações humanas não é estranha para Mike Nichols, realizador de "Ânsia de amar" (1971), filme que, em sua época, cumpriu o mesmo papel que "Closer" tem agora. Claro que são diferentes: "Ânsia" era um filme um tanto "quente", enquanto o coração de "Closer" é de pedra. Nichols cria no espectador a angústia dos protagonistas: em cena, nós estamos presos a uma pessoa que não particularmente gostamos, porém não podemos escapar dela - surge uma necessidade de falar tudo aquilo que estamos sentindo, fica impossível ficar em silêncio. O espectador não consegue se acomodar num personagem apenas, sempre queremos estar com aquele que não está em cena. Algumas cenas que começam cômicas ou simpáticas eventualmente caminham para o incômodo, como por exemplo, a (excelente) cena do sexo virtual entre Jude Law e Clive Owen, que revela-se surpreendentemente longa, nos revelando uma conversa que se torna cada vez mais imunda, bizarra e reveladora.

Os temas de "Closer" estão intermitentes em todos os setores técnicos do filme e eu gostaria que você prestasse atenção em uma certa cena para solidificar essa afirmação: perceba a trilha-sonora ao fundo na cena em que Clive Owen e Natalie Portman encontram-se juntos no clube de strip: "Smack my bitch up" (aquela mesma do Prodigy) e "How soon is now" (aquela mesma do The Smiths") - colocadas lado-a-lado, as canções cobrem todo o argumento do filme: o menosprezo sexual e a carência angustiante. Isso é ainda mais confirmado pela canção que abre e fecha o filme, "The blower's daughter" de Damien Rice (na realidade, quando essa música tocou nos letreiros, eu já sabia que tinha me fodido e que não haveria escapatória).

Por ser uma peça, os atores são a força de "Closer" - e o texto dá a cada um deles um momento sob os holofotes. Jude Law está absolutamente desprezível como o escritor hedonista e obcecado consigo mesmo; Julia Roberts consegue manter uma sólida atuação contendo-se como a indecisa fotógrafa (a vilã do filme?); Natalie Portman, mais uma vez, está de se adotar como o discutível centro moral do filme, pois sua personagem vive da exploração da sexualidade, mas anseia pelo verdadeiro afeto. Mas é o show de Clive Owen. Seu personagem é, a princípio, um pervertido pegajoso que, feito de gato-e-sapato, descobre as regras do jogo e diverte-se (e a platéia) ao manipular àqueles de quem quer se vingar. Todos, porém, estão absorvidos demais em suas cruzadas pelas próprias satisfações pessoais e, numa sociedade sexualmente deslumbrada, descobrem que a companhia nem de longe traz consigo a verdade - e, de vez em quando, nem deveria.

Em alguns momentos, Nichols não escapa que seu filme fique teatral demais, mas sempre há uma observação ou uma frase inteligente que suga o espectador de volta para a história. O texto é de uma honestidade embaraçosa, pois todos os personagens estão em contato com os seus sentimentos, sabem como descrevê-los e, sem papas na língua, expressam-se, inclusive adjetivando-se perjorativamente.

Pois o que você imagina que irá acontecer quando você se apaixonar? O que espera ganhar? Você quer que a pessoa torne-se parte de você? Que a companhia dela seja o bastante? E se, por acaso, um de vocês desistir ou mudar de opinião? o que realmente nos leva à fidelidade sexual, de qualquer jeito? Você estaria disposto a arrasar a pessoa que você arrastou para sua ilusão de como a felicidade deveria ser, apenas para tentar ver se você consegue ser apenas um pouquinho mais feliz com outra pessoa? Isso é correto? E quando contamos a verdade, somos mais heróicos do que quando mentimos, mesmo que a verdade irá arrasar vidas e corações para sempre?

A resposta em "Closer", se é que há uma, é que no momento em que pararmos de idealizar romances (que são uma distração, mas não são amor de verdade), poderemos realmente desfrutar de quem está ao seu lado, realmente descobrir as pessoas com quem vivemos e, portanto, nossos relacionamentos. O filme acaba se tornando um conto sobre duas pessoas que acabam descobrindo o valor do que tem, duas que acabam se perdendo e onde as verdades nada valem. "Closer" é perfeitamente cruel, verdadeiro, revela a hipocrisia dos relacionamentos modernos sem pregar soluções (as perguntas feitas acima permanecerão sem respostas), mas indicando onde a sociedade deslumbrada pelas belezas do sexo enfurnou a conexão espiritual com outro ser humano: atrás das caixas de papelão de um sótão empoeirado. "Closer" é um tapa na cara de quem usa o cinema como combustível para fantasias escapistas de romances maravilhosos. Não é que o amor não exista, mas é inegável que "Closer" advoga muito bem a afirmação contrária.

"Closer" EUA, 2004. 98 mins. Direção: Mike Nichols. Estrelando: Jude Law, Julia Roberts, Clive Owen, Natalie Portman, Nick Hobbs, Colin Stinton. Distribuidora: Columbia/TriStar. Site oficial: sonypictures.com/movies/closer.

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