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29.11.10

¨As formas linguísticas não-dinâmicas, às quais continuamos presos, opõem liberdade a coerção como se fossem céu e inferno. A curto prazo, esse raciocínio em opostos absolutos muitas vezes se mostra razoavelmente adequado. Para quem está na prisão, o mundo do outro lado das grades é um mundo de liberdade. Mas, examinando o assunto com mais cuidado, não há, ao contrário do que sugerem sínteses como essas, uma suposta liberdade ¨absoluta¨, se por ela entendemos total independência e ausência de qualquer coação social. O que há é libertação, de uma forma de restrição opressiva ou intolerável para outra, menos pesada. Dessa maneira, o processo civilizador, a despeito da transformação e aumento das limitações que impõe às emoções, é acompanhado permanentemente por tipos de libertação dos mais diversos.¨


Norbert Elias

28.11.10

poeira 

Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois.

Walter Benjamin

Não tempero mais minhas bebidas com conhaque, e sim com própolis.
O ardor do alho que meu corpo exala nesta manhã me enoja. Comi pizza com alho, que costumo adorar, mas antes da primeira mordida eu já sabia que não seria boa idéia. No entanto, era a única opção.
Ontem passei a maior parte do dia com tontura. O que há com este corpo?
Conversamos sobre morte e chorei muito. Meus pensamentos me torturavam, me jogando contra as paredes. Machucando tudo que é mole e miúdo e esta guardado dentro da minha pele, da caixinha que formam meus ossos. O corpo reprimindo os solavancos. Foi intenso e me sugou o fim de qualquer energia que eu pudesse me propor.
As palavras nem sempre funcionam. Cada gesto é uma semente...

Sou a rainha das frases feitas, arrasada. Toda vez que me sinto um ser desprovido de felicidade, energia e vontade de viver... alguém me diz que estou bonita.
Sempre dou uma risadinha abafada, antes de agradecer.

Escrevi num caderno:

17/11/2010

deixa eu te contar uma coisa:
depois de tantos anos cética, apegada e forte
a pessoa pode, e não raro chegará, chegar a um
ponto de intersecção
onde não se duvida mais de nada
o verbo muda
mas e quanto as atitudes?
cada gesto guardado e repetido pela memória do
corpo.
prodigiosa e persistente memória.
a percepção dos sentidos, do espaço.
a relação com a temporalidade, com o meio
e a inevitavel relação com os outros.
será que os padrões de ética e alteridade se
modificam?
e a própria razão, sofreria ela algum abalo?
são muitas as perguntas e isso sempre foi
interessante: questionar, criticar... pensar
e re-pensar.
mas e quanto ao sentir?
voltamos ao discurso. mais objetivamente ao verbo.
(palavra chave desta reflexão)

não duvidar ainda é bem diferente de acreditar.
e agora?


me escondo com a poeira pelos cantos

27.11.10

O Açúcar 

O branco açúcar que adoçará meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
E afável ao paladar
Como beijo de moça, água
Na pele, flor
Que se dissolve na boca. Mas este açúcar
Não foi feito por mim.

Este açúcar veio
Da mercearia da esquina e
Tampouco o fez o Oliveira,
Dono da mercearia.
Este açúcar veio
De uma usina de açúcar em Pernambuco
Ou no Estado do Rio
E tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
E veio dos canaviais extensos
Que não nascem por acaso
No regaço do vale.

Em lugares distantes,
Onde não há hospital,
Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
Aos 27 anos
Plantaram e colheram a cana
Que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
E dura
Produziram este açúcar
Branco e puro
Com que adoço meu café esta manhã
Em Ipanema.



Ferreira Gullar
Sanidade é uma mentira aconchegante.

Susan Sontag

15.11.10



eu infinitamente preciso do contato pele a pele.
os gatinhos já estão fugindo de mim de tanto que os persigo.
tem uma coisa crescendo na minha garganta.
disseram que o nome é grito.
abri os olhos e me acostumei a escuridão.
eu vejo tudo. menos o que eu deveria ver.
eu sinto tudo.
mas não sinto que pertenço a qualquer lugar.
um fardo pode te fazer sucumbir...
realidade.

quero dormir muito.

1.11.10

A gente chora, chora por nada, para não rir, e aos poucos vai se sentindo triste de verdade.

A verdade está no silêncio, além do mundo das palavras.




Um dia você ficará cego, como eu. Estará sentado num lugar qualquer, pequeno ponto perdido no nada, para sempre, no escuro, como eu. Um dia você dirá, estou cansado, vou me sentar, e sentará. Então você dirá, tenho fome, vou me levantar e conseguir o que comer. Mas você não levantará. E você dirá, fiz mal em sentar, mas já que sentei, ficarei sentado mais um pouco, depois levanto e busco o que comer. Ficará um tempo olhando a parede, então você dirá, vou fechar os olhos, cochilar talvez, depois vou me sentir melhor, e você os fechará. E quando reabrir os olhos, não haverá mais parede. Estará rodeado pelo vazio do infinito, nem todos os mortos de todos os tempos, ainda que ressuscitassem, o preencheriam, e então você será um pedregulho perdido na estepe. Sim, um dia você saberá como é, será como eu, só que não terá ninguém, porque você não terá se apiedado de ninguém e não haverá mais ninguém de quem ter pena.


Samuel Beckett

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